quinta-feira, 6 de março de 2008

Juros de 12% ao ano equivalem a juros de 1% ao mês?

Na Quarta-Feira, 05 de Março de 2008, em uma reportagem de Fábio Castro de Goiânia exibida pelo Jornal hoje, da rede Globo de televisão, foi tratada a questão do “Crédito consignado”, para aposentados e pensionistas.

A matéria trazia a boa notícia que o governo anunciou a redução dos juros para empréstimos consignados e cartões de crédito. E, em meio à reportagem, O entrevistado Wilson Ladeira de Souza, consultor financeiro, fez a seguinte declaração:

“Eu acho que o aposentado merecia o juro que há na constituição, 12% ao ano, 1% ao mês."

Depois de ouvir essa declaração, me veio à mente um pensamento:

O que o caro senhor Wilson(lembrei do Dennis, 'O Pimentinha') queria dizer com 12% ao ano, 1% ao mês? Será que ele estava afirmando que juros de 12% ao ano equivalem a juros de 1% ao mês?

Um erro muito comum em matemática financeira, por exemplo, é achar que juros mensais de 12% equivalem a juros anuais de 12 x 12% = 144%. Juros mensais de 12% equivalem a juros anuais bem mais esquisitos do que 144%. Mas, antes de tratar dessa questão, a dos juros, vamos primeiro deixar bem definido alguns conceitos de matemática financeira.

A operação básica da matemática financeira é a operação de empréstimo. Alguém que dispõe de um capital C (chamado de principal), empresta esse capital a outrem por um certo prazo. Após esse prazo, ele recebe o seu capital C de volta, acrescido de uma espécie de remuneração J pelo empréstimo. Essa remuneração é o que chamamos de juro. A soma C + J é chamada de montante e vamos aqui representa-la por M. A razão i = J/C é o que chamamos de taxa de juros e é sempre referida ao período do empréstimo. Vejamos um exemplo:


Carlos pegou emprestado R$100,00. Dois meses depois, pagou a quantia de R$140,00. Os juros pagos por Carlos foram de R$40,00 e a taxa de juros é 40/100 = 0,40 = 40% ao bimestre. O principal, que representa a dívida inicial de Carlos, é igual a R$100,00 e o montante, que é a dívida de Carlos na época do pagamento, é igual a R$140,00.

NOTA


É importante observar que Carlos e quem lhe emprestou os R$100,00 combinaram que, R$ 100,00 hoje tem o mesmo valor do que R$140,00 reais em dois meses. Nesse exemplo, quantias diferentes (R$100,00 e R$140,00) referidas a épocas diferentes têm o mesmo valor.

Outros erros comuns em raciocínio de matemática financeira:

1) Achar que R$ 140,00 têm valor maior do que R$ 100,00.

R$140,00 têm maior valor que R$100,00, se referidos à mesma época. Esses valores, se referidos a épocas diferentes podem ter o mesmo valor(veja exemplo anterior) ou ate mesmo R$140,00 reais pode ser inferior do que R$100,00.

2) Achar que R$100,00 têm sempre o mesmo valor que R$100,00.

Na verdade, R$100,00 hoje valem mais do que R$100,00 daqui a um ano.


Vejamos outro exemplo

Carlos agora toma um empréstimo de R$100,00 a uma taxa de juros de 10% ao mês. Passado um mês, a dívida de Carlos será os R$100,00 acrescidos dos 10% de juros que foi combinado. Para encontrar o valor dos juros a ser acrescidos, basta multiplicar a taxa de juros pelo principal que é R$100,00. 10% de 100 são 10 centésimos de 100 que é igual a 10.

Observe 100 x 10/100 = 100 x 1/10 = 100/10 = 10.

Dessa forma o montante M que é a dívida de Carlos será R$110,00.

Mas, a operação de empréstimo foi prorrogada por mais um mês.

Passado mais um mês, quanto será a dívida?

Ora, no segundo mês, a dívida ainda era de R$110,00 e a taxa de juros sendo de 10% ao mês, o juros relativo aos segundo mês será de R$11,00. O que elevará a dívida para R$121,00. E sendo renovado por mais um mês, a taxa de juros sendo 10% ao mês e a dívida sendo de R$121,00, teremos no final um montante de R$121,00 + R$12,1 = R$133,1.


Esse Juros assim calculados são chamados de compostos.


O que caracteriza os juros compostos é o fato de que em cada período o juros é determinado aplicando-se a taxa ao montante do inicio do período.


Existe outra forma de juros chamada de juros simples. Mas, sendo a favor de colocar as coisas no contexto devido, como elas aparecem na vida real vamos apresentar os juros simples da seguinte maneira:

Havia um reino encantado onde tinha um velho rei cheio da grana e um príncipe muito elegante, porém sem um centavo. O príncipe pediu um empréstimo de R$100,00 ao velho rei e combinaram um juros de 10% ao mês. Passado um mês, o príncipe foi até o rei que disse:

-muito bem, veio me pagar os R$110,00(R$100,00 + 10% = R$10,00 de juros) do empréstimo?

e o príncipe disse:

-não posso lhe pagar os R$110,00 porque não tenho dinheiro.


Nesse exato momento, quando o velho rei iria ter um ataque, surge uma fada encantada que joga um pouco de pó de pirin pin-pin no velho rei. Dessa forma o velho se vira para o príncipe e diz:

-Não, tudo bem nós prorrogamos o empréstimo por mais um mês com as mesmas condições de juros de 10%. Mas, como estou me sentindo muito bondoso, não vou lhe cobrar os juros de 10% sobre os R$110,00 que você me deve agora. Vou cobrar os juros somente sobre os R$100,00 que o senhor me devia no mês passado.

O príncipe acha isso ótimo!

Passa mais um mês, o príncipe vai até o velho, que já está esfregando as mãos e diz:

-o senhor veio me pagar o empréstimo, os R$120,00(R$110,00 + R$10,00 = R$120,00) que me deve?

o príncipe diz:

-não, eu vim por que não tenho dinheiro.

Então, quando o velho vai ter um ataque, surge novamente a fada encantada que aplica uma dose de pó de pirin pin-pin no velho.

Aqui a nossa fada trabalha com doses crescentes de pó de pirin pin-pin, ela agora aplica uma dose dupla de pó de pirin pin-pin. Pois, caso contrário, se ela aplicasse uma dose simples de pó de pirin pin-pin no velho, o que supostamente iria acontecer?

O velho iria propor que os juros corressem, não sobre os R$120,00 devidos pelo príncipe ao rei agora, e sim aos R$110,00 devidos no mês passado. Mas, como a dose é dupla, o velho propõe que os juros corra sobre os R$100,00 inicias.

O príncipe acho ótimo!!


E então, depois de mais um mês, a divida é agora de R$130,00, mas como o príncipe havia ganho na loteria, ele pagou o velho rei e todos viveram felizes para sempre e fim.


O contexto adequando aos juros simples é o conto de fadas. Na vida real isso não existe, se você me deve R$120,00 por que vou lhe cobrar juros de R$100,00 se você me deve R$120,00?


Aqui chamo a atenção a uma coisa terrível que se faz no ensino de matemática no Brasil. No ensino fundamental geralmente na 6ª série se ensina juros simples. E isso é extremamente nocivo porque primeiro juros simples não servem para nada e segundo além de não servir para nada isso cria no aluno a ilusão de que ele aprendeu a fazer esses cálculos financeiros que nos cercam no mundo real.

E dessa forma, o aluno se torna, no futuro uma vítima fácil para espertalhões que praticam a fina arte de afastar os tolos de seu dinheiro.

Se for para ensinar apenas juros simples, é melhor não ensinar! Assim pelo menos, não criamos no aluno a falsa impressão de que ele entende daquilo.

É melhor não saber do que saber errado, pois quem não sabe e tem consciência que não sabe, sempre pode procurar um especialista.

Agora, quem pensa que sabe não tem jeito, morre no erro.


Se nós nos perguntarmos se nos problemas da vida real os juros são simples ou compostos?

Afirmo sem sombra de dúvida, os juros são compostos.



A fórmula básica para o calculo de juros compostos é a seguinte:



Cn = C0 × (1 + i)n


Essa fórmula se traduz no seguinte modo:

“No regime de juros compostos de taxa i, um principal
C0 transforma-se, após n períodos, em um montante Cn = C0 × (1 + i)n."

Cn é o montante após ‘n’ períodos;

C0 é o principal, ou capital inicial;

i representa a taxa de juros;


Vejamos um exemplo de uso da fórmula:

Carlos toma um empréstimo de R$1500,00 a juros de 12% ao mês. Qual será a divida de Carlos após três meses depois?

C3 = C0 × (1 + i)³ = 1500 × (1 + 0,12)³ = 2107,39

NOTA

O problema principal da matemática financeira é o de deslocar quantias no tempo. Se nós virmos a fórmula dos juros compostos como o termo geral de uma Progressão Geométrica, o que de fato é, poderemos tirar a seguinte conclusão que é fundamental ao entendimento da fórmula e muito útil para a solução dos principais problemas financeiros.


Se eu tomo de empréstimo um capital de R$100,00 a uma taxa de juros i de 10% ao mês, por exemplo, teremos a seguinte situação:

Após um mês minha divida será de:

100 × (1+0,1)1 = 110.
(aqui avançamos para o futuro, em um mês multiplicando o capital inicial por (1 + i)1)


Após dois meses minha divida será de:

100 × (1+0,1)1 × (1+0,1)1 = 110. × (1+0,1)2 = 121

(aqui avançamos para o futuro, em dois meses multiplicando o capital inicial por (1 + i)2).


Assim, para avançar no tempo três meses, basta multiplicar o capital por (1 + i)3 que resultará em uma dívida de R$133,10, e para avançar ‘n’ meses, basta multiplicar o capital por (1 + i)n.

É no ensino de juros simples, como já citei anteriormente, que faz com que o aluno acredite firmemente que juros de 10% ao mês, dariam em dois meses 20%. Isso é verdade no fictício regime de juros simples, mas isso não é verdade na vida real. Basta observamos mais acima que juros de 10% ao mês dão em dois meses juros de 21% e em três meses, não juros de 30% como pensão os mais ingênuos, e sim juros de 33,1%.

Vejo agora um momento oportuno para apresentar a fórmula de conversão de taxas de juros.

Se a taxa de juros relativa a um determinado período de tempo é igual a i, a taxa de juros relativa a ‘n’ períodos de tempo será I de tal forma que,.
1 + I =
(1 + i)n.

Interpretando a fórmula acima de maneira correta, ela nos diz o seguinte:

Se uma taxa de juros é igual 10% ao mês, por exemplo, a taxa de juros relativa a 2 meses será 21% de tal forma que vale a igualdade
1 + 0,21 =
(1 + 0,1)2.


Por fim, vejamos dois exemplos:

Exemplo1. A taxa anual de juros equivalente a 12% ao mês é I de tal forma que
1 + I =
(1 + 0,12)12. Daí, I = (1,12)12 – 1 = 2,90 = 290%. Ou seja, 12% ao mês, dão 290% em 12 meses.


Exemplo2.
A taxa mensal de juros equivalente a 40% ao ano é i, de tal forma que
1 + 0,40 =
(1 + i)12. Daí, 1 + i = (1,4)1/12 e i = (1,4)1/12 – 1 = 0,0284 = 2,48%.Ou seja,
juros de 40% ao ano, são equivalentes a uma taxa mensal de 2,84%.




Agora, munido das definições e fórmulas aqui apresentadas, facilmente podemos verificar que juros de 12% ao não dão 1% ao mês.


Vejamos:

1 + 0,12 = (1 + i)12. Daí, 1 + i = (1,12)1/12 e i = (1,12)1/12 – 1 = 0,0094 = 0,94%

Portanto, uma taxa de juros anual de 12% é equivalente a 0,94% e não 1%.

Agora, se a taxa mensal de juros é de 1%, a taxa anual será de:


1 + I =
(1 + 0,01)12. Daí, I = (1,01)12 – 1 = 0,1268 = 12,68%.

No primeiro caso, juros anuais de12% são equivalentes a juros mensais de 0,94% e não 1% como mencionado na entrevista do jornal hoje. Pode parecer uma diferença insignificante, mas no segundo caso, juros de 1% ao mês são equivalentes a juros de 12,68% ao ano que não é tão insignificante.

Dependendo dos prazos e do capital tomado de empréstimo, essas ‘pequenas diferenças’ ou ‘pequenos erros’ podem se transformar no final em perdas muito significativas, além de dar margem aos espertalhões que praticam a fina arte de afastar os tolos de seu dinheiro como já tenho dito.

Esse artigo é uma pequena homenagem ao GRANDE MESTRE Augusto César Morgado, que nos deixou no ano de 2006. Fica a lembrança de um professor de humor refinado, grande sabedoria, humildade e aulas absolutamente fantásticas. Era iluminado.


Agora vou tomar um café.

Um forte abraço!

Profº Bruno Cavalcante.

Referências Bibliográficas:

Elon Lages Lima; Paulo Cezar Pinto Carvalho; Eduardo Wagner; Augusto César Morgado, Temas e Problemas, Publicação Sociedade Brasileira de Matemática - SBM (2003).

Elon Lages Lima; Paulo Cezar Pinto Carvalho; Eduardo Wagner; Augusto César Morgado, A Matemática do Ensino Médio - Volume 2, Publicação Sociedade Brasileira de Matemática – SBM (2000).